Quando eu era mais jovem (e isso agora já faz um bom tempo) eu carregava comigo um “mantra” que adorava entoar em toda situação possível: uma ideia de que a partir de uma certa idade as pessoas não eram mais capazes de mudar. Eu sequer lembro onde li ou ouvi isso, mas abracei vigorosamente como verdade absoluta.
Não tenho a menor vergonha agora em dizer que errei feio, errei rude.
Claro que avançar pelos anos vai dando aquela solidificada (ou talvez engessada) nas convicções que facilita essa postura, mas se a gente estiver aberto para as mudanças e entender a necessidade delas elas podem vir e vai ser rápido.
Não é pertinente aqui destrinchar os aspectos da minha vida pessoal que serviram de catalisador pra essa série de transformações ainda em andamento. O que importa tematicamente pra este espaço é a maneira como isso se integrou ao meu espaço criativo. E antes que alguém pergunte, a ferramenta que vem conduzindo essa reinvenção pessoal é de fato a psicanálise.
Por muitos anos, em uma escolha parcialmente consciente separei minha existência em duas pessoas. O eu artista e o eu “normal”.
Ué, mas artistas são anormais agora? Talvez. Mas não vamos fugir do tópico.
Uma das primeiras coisas que saltou no meu processo de terapia foi a existência dessa separação dos “poderes” e a maneira como isso não me trazia nenhum benefício. Como artista eu sempre experimentei um processo de criação sem limites ou regras, combinando sem medida alguma instinto e improviso com planejamento metódico e estruturado. Enquanto isso na minha “vida civil” eu apenas navegava com este monte de regrinhas e determinações que não podiam ser violadas e vejam só: descobri que eram quase todas besteira.
No momento que fui me livrando dessas limitações bobas fui notando que não existia mais um eu duplo. Eu começava a experimentar criatividade em todos os aspectos do cotidiano.
Descobri que dava pra engolir as duas pílulas a
mesmo tempo, tipo aquele clichete Ploc 2 em 1.
E seria injusto creditar somente à terapia tudo que aconteceu nesse período (e segue ocorrendo). Um grupo de pessoas próximas - de velhos amigos até novas relações - foi importante demais nessa etapa pra desenrolar esse “novo eu”, agora muito mais integrado. Desenrolar é um ótimo termo pra essa situação. Nesse novo lugar, a capacidade de me comunicar ganhou um grau maior de profundidade, de proximidade. E estar cercado de tantas pessoas incríveis só me estimulou a cavar mais fundo.
Eu te entendo, Professor Hulk.
Bom, mas passando essa novelinha pessoal vamos falar do efeito disso na minha nova fase como criador. Antes mesmo de iniciar essa jornada interior, eu já tinha determinado que gostaria de transformar meu pseudônimo artístico em algo mais próximo de um personagem tal qual os consagrados Daft Punk, MF DOOM e porque não Winslow Leach.
Eu cheguei relativamente rápido no conceito visual (combinar tokusatsu com abrigo Adidas) mas levei cerca de um ano e meio pra finalmente trazer isso ao mundo, correndo sempre aquele risco de alguém aparecer com algo muito similar e arruinar todo o trabalho.
Quando assisti “Copenhagen Cowboy” do Nicholas Winding Refn (recomendo muito) já fiquei todo apavorado com o abriguinho azul da personagem Miu.
Mas hoje considero que essa espera foi importante. Pois escolhi me “relançar” ao mundo no momento de transformação profissional onde resolvi somar ao meu trabalho de produtor e compositor à nova função de treinador. E essa linguagem visual casa muito bem com isso. Assim um processo super lento foi hiper acelerado em questão de dias, mais uma vez com a ajuda de alguns amigos brilhantes (Pedro Perurena e Gabriel Not).
Juntei toda a parafernália que acumulei pra montagem desse visual e fui pro estúdio do Not para produzirmos uma sessão de fotos que representasse essa minha conversão definitiva em um personagem.
Meu website 100% revitalizado com a nova linguagem visual
O plano daqui em diante é que toda vez que alguém passar pelo nome Fu_k The Zeitgeist por aí as sinapses subsequentes conjurem essa overdose de azul.
Eu entendo o quão irônico pode parecer buscar uma identidade separada justamente em um momento de integração pessoal. Mas existe a diferença de eu estar totalmente no controle do processo agora, podendo controlar a separação entre os mundos de uma maneira saudável.
FTZ Academy
Durante o auge da pandemia, eu comecei a dar algumas aulas de produção fonográfica via Zoom pra suplementar a renda que havia caído um pouco. Com a “volta ao normal” eu acabei deixando isso um pouco de lado mas sempre com um desejo de retomar isso no presencial, onde sabia que a experiência seria ainda mais rica.
Então durante o processo de elaboração da minha nova identidade visual comecei a este integrar essa vontade acoplando ao projeto a função de treinador. Estabelecendo paralelos entre o treino físico em academia e o trabalho na produção em estúdio, encontrei uma via conceitual para oferecer este serviço que mistura prática, co-produção e passagem de conhecimento.
Produzi um vídeo promocional que detalha bem a proposta:
Imaginary Films
Outra decisão que passou pelos últimos meses foi a de não me investir de maneira pesada na criação de novos álbuns antes de finalizar os que tenho na fila (são vários), podendo assim na conclusão dessa etapa abrir também uma nova fase criativa. Eu tenho pelo menos dois projetos grandes para essa nova etapa mas eles são apenas conceitos (e algumas anotações) por ora.
Em uma estimativa por cima são cerca de uns 6 discos que ainda preciso arrematar. Alguns já estão praticamente prontos. Um deles acaba de cair no mundo: Imaginary Films.
O nome da obra é um tanto auto-explicativo. São 12 composições com uma sonoridade de trilha sonora com forte ênfase no uso do sintetizador. Cada uma recebeu um nome que poderia ser uma obra cinematográfica e na arte de capa eu e o Pedro juntamos fotos que eu montei depois passei pela TV de tubo (foto das fotos) com screen titles que ele criou pra cada “filme”.
É o meu trigésimo segundo album como Fu_k The Zeitgeist e o sétimo de 2023. Eu pretendo lançar ainda mais dois antes da virada do ano.
R.I.P. 2d
E ao falar sobre lançar muitos discos em um mesmo ano é impossível não mencionar aqui uma das notícias mais tristes do ano (e provavelmente da minha vida): a brutal e inexplicável partida do amigo, colaborador e gênio musical Philip Uande, conhecido como 2d intocável.
Eu tive o privilégio de conhecê-lo nos encontros do Clube da Costura e no ano de 2022 com certeza fomos dos mais assíduos contribuintes das sessões. No início deste ano colaborei em uma de suas diversas mixtapes (ele vinha lançando uma por mês) e tenho mais duas faixas nas quais trabalhamos juntos ainda inéditas.
Ele tinha um futuro brilhante pela frente, tenho plena convicção. Farei tudo dentro do possível pra criar junto do pessoal do Clube um material que sirva de memorial e apresente pra quem não teve a chance a sua fantástica obra.
Nosso último encontro em pessoa, na edição 122 do Clube da Costura.
Rapidinhas
Eu ando muito fascinado pelo conceito de Plunderphonics ultimamente e esse vídeo dissecando os samples do DJ Shadow no clássico Endtroducing explodiu minha mente.
Eu não tenho uma máquina de fita magnética 8 canais pra testar isso mas pretendo ver o que acontece testando esse conceito no âmbito da fita K7.
Também fascinado por este vídeo do Alex Ball detalhando o processo criativo por trás da trilha sonora do Tron original nas mãos da pioneira Wendy Carlos.
Prata da Casa
Ainda antes do lançamento de “Imaginary Films”, coloquei no mundo um novo single, criado em parceria com o cantor/compositor Poty: Pá de Caos.
A faixa foi lançada nos serviços de streaming com um b-side (“The More I Want You”) e produzi um lyric video para acompanhar.
Subi também um making of explicando como confeccionei este acompanhamento visual da faixa:
Pouco depois disso mais um lançamento envolvendo Poty, a faixa “Pescadores de Desertos” composta por ele em parceria com o grande Luiz Bruno (atualmente residindo no Reino Unido). Realizei a produção/mixagem/masterização, toquei alguns instrumentos e confeccionei este visualizer:
Playlist da Edição
Como o tema de hoje centrou em mudanças e transformações, aqui vai um playlist com faixas que circundam os temas abordados:
Como deu pra ver, mantive as mãos e mente bastante ocupadas desde a última postagem aqui.
Espero não demorar tanto tempo pra escrever a próxima! Até lá, pessoal. o/
Quero dizer que ADOREI a capa do Imaginary Films. Me lembrou aqueles filmes tipo Death Proof e trailers falsos de filme B. Muitooo bonita a capa, muito mesmo.
Fui escutar o disco e putz, perfeito também. Fiquei imaginado uns curtas baseado na ideia da capa + faixas.