Escutando os filmes
Eu sei que polêmica de Twitter é primariamente caça-clique e geralmente busco me esquivar mas essa me deixou refletindo sobre algumas experiências pessoais específicas que me parecem um bom assunto pra divagar neste espaço. O ponto de partida é este tweet:
Segundo esse pensamento, a maioria dos filmes não “vai rolar”, né. Todo e qualquer consumo de arte sempre vai ser melhor no seu estado máximo de fidelidade (salve salve John Berger). Admirar uma pintura no museu vai ser sempre mais arrebatador do que em uma página de livro e assim vai. O camarada escorregou em uma obviedade (ou mais provavelmente só surfou nela pra engajar).
Até aí nada demais né. O Twitter é isso mesmo o dia todo desde sempre (e cada dia pior).
Mas na quinta-feira passada eu tive uma experiência pessoal deste efeito específico do impacto do som ao assistir o filme espanhol “Todas Las Canciones Hablan De Mi”.
Eu simpatizei (e me identifiquei parcialmente) com o filme e já estava mentalmente preparado pra lhe dar as 3 estrelinhas no Letterboxd que correspondem à este sentimento até que a cena final chegou e a trilha sonora dela era a música “Silence is The Question” do maravilhoso combo The Bad Plus.
Contextualizando: nas últimas semanas eu concluí uma reforma na minha sala (onde desde que moro aqui faço meu trabalho de produção/composição/mixagem) e uma das prioridades foi tornar o espaço confortável para o consumo de filmes com uma reprodução de som um pouco mais próxima da experiência do cinema. Desde então eu tenho assistido filmes praticamente todos os dias aqui, já é praticamente um ritual.
Voltando ao filme espanhol, o efeito que a combinação música + monólogo em crescendo na cena causou, com os monitores de audio reproduzindo o espectro de som completo garantiu fácil mais meia estrela na avaliação. Não pude deixar de pensar: teria isso acontecido ao assistir na TV do quarto com seu som relativamente sem graça?
Mais uma vez enfatizando, essa é uma leitura completamente pessoal. Não estou tentando catequizar ninguém aqui nem estou recebendo comissão da Yamaha pra tentar vender caixas de som (I wish!). A minha forte relação com o aspecto sonoro de tudo na vida abre essa via de percepção que pode ser uma benção ou uma maldição dependendo do contexto. É difícil pra mim somente ouvir passivamente. Eu estou quase sempre escutando.
Na maior parte do tempo isso traz satisfação (como neste exemplo dos filmes) mas também cria alguns bloqueios curiosos. Eu não consigo, por exemplo utilizar fones de ouvido fora de casa. A ideia de andar na rua sem ouvir o som ambiente é impensável pra mim. Me deixa fisicamente desconfortável.
Também sempre tive dificuldade em me divertir em eventos com “som mecânico” pois meu ouvido está sempre analisando e dissecando a música em volta. Por muito tempo não encontrei a chave para ligar e desligar isso. Apenas recentemente descobri que um consumo considerável de álcool consegue colocar meu “superpoder” em standby. É o inverso do personagem do Mark Ruffalo em “Begin Again”, que fica bêbado e ouve arranjos musicais detalhados.
Tem uma frase que eu guardei do livro “O Som e o Sentido: Uma Outra História das Músicas” que se eu não morresse de medo de agulhas eu facilmente portaria como tatuagem:
E aí temos um outro texto para outro momento, que é sobre essa maneira como fomos perdendo o hábito de escutar música de uma maneira dedicada (do mesmo jeito que assistimos um filme) para que ela se tornasse um ruído ambiente que nos acompanha.
Não adianta, né. No fim das contas todos nós temos nosso momentinho pra ser pedante.
Rapidinhas
- Apaixonado por essa do novo álbum do Blur (The Ballad of Darren) que soa como uma faixa perdida do Scary Monsters do Bowie:
- Chemical Brothers sempre entregando muito em termos de som e imagem. Album novo chegando aí.
- A Poppy lançou mais um clipe e nessa deu um tempo nas guitarras pesadas. Mas ainda assim o som veio denso com synths graves belíssimos.
Prata da casa
Depois de uma postagem de instagram de uma amiga com citação do Bruce Lee não pude deixar de lembrar dessa minha pequena aventura criativa.
Em 2014 eu produzi o album “Halteroniilismo” dos meus amigos do Quarto Sensorial. Logo depois do lançamento do álbum ficou rondando a minha mente uma versão alternativa para faixa “Bruce Lee’s Flying Kick” deles, puxando pra uma estética mais no clima do filme “Operação Dragão”.
Fui trabalhando nela por um bom tempo, esculpindo calmamente as (muitas) partes, contando com colaborações de vários grandes músicos e eventualmente até do próprio Bruce Lee.
Explico: utilizando um sample do famoso discurso “Be Water” dele, picotei de maneira rítmica pra formar versos e a pedi ao Andrio que utilizasse o Melodyne (um auto-tune mais refinado) pra criar uma melodia daquela mesma maneira que nos tornou conhecidos por nossas brincadeiras com Werner Schunemann e Joel Santana lá no começo dos anos 2010.
Depois ainda tive o privilégio de contar com a amiga Luiza Caspary fazendo uma parede de vozes harmonizando com o Bruce, uma pequena homenagem minha aos vocais de Tina Turner e as Ikettes nos albuns do Frank Zappa.
Eventualmente eu decidi incluir essa faixa no album “Season 2, Episode 1: Tower of Crystal…Dreams of Glass” e produzi um clipezinho pra ela brincando com videogames antigos. Misturei imagens de um jogo de kung fu, pixelei algumas imagens do Bruce pra servirem de cut-scene junto de frases dele e joguei umas cores doidas e glitch em cima. Infelizmente nessa época eu ainda não tinha meu arsenal de truques de vídeo analógico na mão.
Por hoje é só, pessoal.